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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

PARÁBOLAS e FÁBULAS




AUTOCONHECIMENTO

A mamãe camelo estava conversando com o seu filhote de um ano e meio, quando este começou a fazer algumas perguntas interessantes:
- Mãe, para que me servem estes cascos com estes dedos interligados?
A mãe, percebendo que o seu filhote estava na idade da autodescoberta, respondeu em seu auxílio:
- Filho, estes seus cascos são assim para que você não afunde na areia do deserto. A areia do deserto é muito fina e com estes cascos não temos problemas.
O camelinho entendeu, mas fez outra observação sobre o seu corpo: 
- E estas sobrancelhas tão grossas, mãe? Porque são assim?
- São assim para lhe proteger das tempestades de areia do deserto. Com elas os seus olhos ficarão protegidos quando ocorrerem redemoinhos de ventos com areia.
O camelinho estava aprendendo sobre si e compreendendo como a natureza era tão sábia. Resolveu, então, perguntar sobre as suas corcundas.
- E estas duas corcundas em minhas costas, mãe, servem pra quê?
- O deserto é uma região inóspita, filho. Tem pouca água e alimentos. Estas corcundas são reservas de energia que temos e usamos para atravessar o deserto.
O camelinho se encantava com cada resposta e cada explicação de sua mãe, mas também aumentava a sua intriga pessoal. Resolveu fazer a pergunta crucial:
- Então quer dizer que estes cascos, estas sobrancelhas e estas corcundas que tenho são para atravessar o deserto?
- Sim, meu filho. A sua natureza e as suas características são propícias para que você consiga viver no deserto.
Aí, o camelinho fechou o diálogo com a sua pergunta de humor negro:
- Se tenho uma natureza para viver no deserto, o que estou fazendo aqui nesta jaula de jardim zoológico?!
Da mesma forma vive o ser humano, aprisionado em uma condição para a qual não foi projetada a sua natureza. O ser humano precisa se investigar, se autoconhecer e identificar as suas capacidades latentes. Precisa reivindicar o seu espaço de ação e o direito ao seu propósito divino. 
 


SABEDORIA DE DEUS

Havia um grande sábio que costumava peregrinar em estado de ascetismo pelas regiões do oriente. Certa vez, ao aproximar-se de uma casinha simples fora reconhecido pelo seu dono que de imediato lhe ofereceu hospedagem. Depois de muita resistência, o sábio acabou aceitando o convite, afirmando que partiria logo de manhã cedo, rumo ao deserto.
- Meu caro gentil, agradeço a sua hospitalidade e ficarei com você até amanhã cedo. Preciso partir ao amanhecer, pois atravessarei o deserto e a caminhada é longa.
O anfitrião há muito esperava pela oportunidade de conhecer aquele sábio. Sua fama estava espalhada por toda a região e era uma dádiva acolhê-lo em sua casa. Após uma noite de conversas e ensinamentos com o sábio, o anfitrião decidiu que partiria junto com ele rumo ao deserto. O gentil homem ficara encantado com toda a sabedoria que vinha das palavras daquele homem e intencionava aprender mais. Ao amanhecer, abordou o sábio:
- Mestre, peço humildemente que me deixe acompanhá-lo pelo deserto. Quero me iluminar com a sua sabedoria. Por favor, deixe-me ir com você.
O sábio via que aquele nobre homem estava disposto a escutá-lo, mas sabia que ainda não estava pronto para compreender as sabedorias maiores da existência. Desta forma, indagou:
- Nobre homem, o deserto é desafiante e acredito que você não irá suportar as suas desavenças. É melhor que fique em sua casa, com a sua família e no seu conforto.
O homem não queria perder aquela oportunidade e estava disposto a se sacrificar. Insistiu no seu pedido ao sábio:
- Mestre, peço piedosamente que me aceite como seu discípulo. Prometo que ao primeiro deslize, voltarei para minha casa. Serei justo para com o senhor e para comigo.
O sábio antevia os fatos e percebia que aquele homem não suportaria os encargos de uma entrega verdadeira. Mesmo assim, resolveu dar uma chance e concedeu-lhe uma oportunidade:
- Tudo bem. Apronte a sua bagagem e vamos. Ao primeiro deslize, você retornará para o seu lar. Este é o acordo e o seu desafio.
Partiram, então, rumo ao deserto. Penetraram o deserto e caminharam por horas. Por volta das onze horas da manhã, sem terem trocado nenhuma palavra, o discípulo resolveu falar:
- Mestre, já é quase meio-dia. Não seria bom pararmos para descansarmos e almoçarmos. E o que vamos comer na refeição?
O sábio permaneceu em silêncio, concentrado e caminhando, como se estivesse em estado de oração. Neste momento, o recente discípulo percebera que o sábio não trazia nenhum alimento em seu pequeno fardo. Ficou inquieto e angustiado, pois a fome e o cansaço já o castigavam. Insistiu:
- Mestre, precisamos parar para descansar e comer. Estou exausto, com sede e fome. E o que vamos comer?
O sábio, então, resolveu parar e encostou-se à sombra de uma bela árvore. Sentaram-se e o discípulo repetiu as sua indagações:
- E agora, o que comeremos? O senhor não trouxe nada de alimento. Acho que passaremos fome. Resolva esta questão com a sua sabedoria, oh, grande sábio.
O sábio percebeu uma certa ironia na fala do seu discípulo, mas permaneceu quieto e em silêncio. Não se ouvia nem o som da sua respiração. Este comportamento incomodava o discípulo que, então, apresentou a solução. Retirou da sua bagagem um embrulho com alimentos que havia sido preparado pela sua esposa a pedido dele, de manhã cedo, antes de partirem.
- Está aqui, mestre, a nossa salvação. Minha esposa preparou uma refeição para nós. Aceite este alimento, por favor.
O sábio aceitou o alimento e deliciou-se com o belo manjar oferecido pelo seu discípulo. Ao final da refeição, o discípulo resolveu fazer um comentário.
- É, mestre. Parece que a sua sabedoria não havia previsto a nossa necessidade de agora. Se eu não tivesse pedido à minha esposa que preparasse esta refeição, estaríamos passando fome.
O sábio, então, resumiu tudo o que acontecera até ali e instruiu finalmente o seu discípulo:
- Para você, nós estamos nos alimentando graças à sua esperteza. Isto é uma verdade. Para mim, foi Deus quem mandou você para me alimentar. Esta é a minha verdade. Você ainda não está preparado para entender a sabedoria de Deus. Volte para a sua casa e reflita sobre o seu primeiro e último deslize comigo.     



ILUMINAÇÃO

Um peregrino dirigia-se a um mosteiro conhecido por ser administrado por um ser iluminado. Queria conhecer o tal mestre e aprender sobre os seus ensinamentos. Ao aproximar-se da entrada do mosteiro, percebeu um senhor retirando água de um poço com um balde. Encaminhou-se até ele e perguntou:
- Este é o mosteiro que possui um guru iluminado, reconhecido aqui pela região? Estou procurando por ele e quero me apresentar.
O senhor deixou o que fazia e dirigiu-se ao peregrino:                                             
- Sim. Este mosteiro é administrado por mim. Vamos conversar um pouco, enquanto eu continuo retirando água. Pode ser?
O peregrino estranhou, aquele homem simples retirando água no poço não poderia ser um iluminado! Resolveu questionar sobre a sua iluminação.
- O senhor é um ser iluminado?! E por que está fazendo este serviço? Não devia estar fazendo outras atividades? 
O guru olhou-o profundamente e sorriu docemente. Respondeu-lhe:
- Neste momento estou fazendo o que gostava e sabia fazer de melhor, antes de me tornar um iluminado. Gosto de retirar água do poço e sei aprontar lenha muito bem. Após retirar este último balde de água, vou aprontar lenha. Você pode me acompanhar, pois aproveitamos e nos conhecemos.
O peregrino, então, resolveu persistir com as perguntas.
- Mas, então, qual a diferença entre ser um iluminado e uma pessoa comum?
O sábio novamente sorriu e respondeu-lhe amorosamente:
- A diferença está dentro de mim. A iluminação é um processo interno. Quando me iluminei, toda a relação que possuía com a vida se modificou. Tudo passou a ter um novo significado. Para as outras pessoas, eu posso continuar estar fazendo as mesmas coisas, mas não estou. Só eu e poucos sabemos a forma diferente com que vivo a vida.



CAVALO ÁRABE

Havia um grande sábio, na Pérsia antiga, que era muito reconhecido e todos o procuravam para escutar os seus ensinamentos. Possuía um cavalo árabe de grande beleza, considerado o melhor da região e ganhador de vários prêmios. O filho único do sábio, de dezenove anos de idade, era o domador e tratador do tal cavalo. Certa vez, ao amanhecer, o curral estava vazio tendo o cavalo fugido durante a noite. Rapidamente, a notícia se espalhou pelas redondezas. As pessoas se dirigiram ao sábio em tom de lamentação para comentar sobre o ocorrido. O sábio então respondia:
- Isto que aconteceu não foi ruim, mas também não foi bom. Foi apenas um fato. Nunca devemos julgar o que acontece na vida, pois não sabemos o que está por detrás dos fatos.
As pessoas escutavam as suas palavras, mas apesar dele ser considerado um sábio não as valorizavam. Três dias depois da fuga, o cavalo que havia se dirigido para a mata retornou de lá, acompanhado de um outro cavalo tão belo quanto ele. Novamente a notícia se espalhou rapidamente e as pessoas, então, vieram confortar o sábio. Chegavam confirmando a sua sabedoria querendo reverenciá-lo.
- Bem que você afirmava. Nós pensávamos que a fuga do cavalo havia sido um evento negativo, mas você ensinava para não julgarmos. Está aí a prova que nos enganamos, que fomos tolos. Você é realmente um sábio!
O sábio, do alto de sua sabedoria, não se deixava corromper pela ignorância dos outros e respondia afirmando novamente o que havia pregado antes:
- Vocês continuam cometendo o mesmo engano. O retorno deste cavalo com um outro não é um evento bom, nem ruim. Novamente vocês estão julgando um fato e não conseguem ver o que está por detrás dele.
Desta vez, as pessoas chegaram a caçoar do sábio e até a duvidar de sua sabedoria. Como aquele fato não poderia ser um evento bom?! Acontece que o filho do sábio foi adestrar o novo cavalo que ainda era selvagem e, durante a montaria, caiu do cavalo e fraturou a coluna ficando paraplégico em uma cadeira de rodas. Novamente a notícia se espalhou e as pessoas retornaram a assediar o sábio para reverenciá-lo.
- Como fomos estúpidos. Precisamos nos render à sua sabedoria. Tínhamos a certeza que você havia sido agraciado com a vinda deste novo cavalo. Veja só o que aconteceu! Que infelicidade para a sua vida!
O sábio prontamente retrucou aquela repetição de bajulação.
- Vocês continuam estúpidos, pois continuam julgando os fatos. Devem ficar em quietude e aguardar que a vida revele a sua intenção. Deixem de julgar o que vêem e parem com as suas ignorâncias.
Alguns ficaram estarrecidos com o sermão do sábio. Outros afirmavam que o sábio estava indignado com o problema do filho e que por isto estava tratando os outros daquela forma. Ninguém procurava entender o alcance da profundidade das palavras do sábio.
Novamente a vida preparou um revés. A Pérsia entrou em guerra com a nação vizinha e todos os cidadãos persas que tinham entre dezoito e vinte e cinco anos foram convocados para a primeira batalha. O filho do sábio não foi, devido à sua condição especial. A Pérsia perdeu a batalha e a guerra. Todos os cidadãos persas entre dezoito e vinte e cinco anos que participaram da guerra faleceram.    



ENSINAMENTOS
  
Certa vez, em um mosteiro tibetano, um discípulo questionou ao seu guru:
- Mestre, são muitos os ensinamentos que existem e chegam até nós. Às vezes, fico mentalmente sobrecarregada e acho que não tenho como guardar e praticar tantos ensinamentos. O que o senhor pode nos dizer sobre isto?
O guru observou ao entorno e viu uma cesta de palha suja de barro, no canto da sala. Dirigiu então um pedido ao discípulo:
- Você irá compreender. Primeiro, pegue esta cesta de palha, vá até o rio e a traga para mim cheia de água.
O discípulo fez o que fora pedido e, retornando, recebeu uma inquisição do guru:
- Então, o que você observou nesta sua prática?
Após refletir um pouco, o discípulo resumiu o que percebeu:
- Percebi que a cesta chegou com menos água. Parte da água ficou pelo caminho.
O guru, então, demandou outra ordem:
- Retorne ao rio e traga-me a cesta cheia de água, como eu lhe pedi.
O discípulo retornou ao rio, encheu novamente a cesta de palha e a trouxe para o seu guru.
- Aqui está, mestre.
Mais uma vez, o guru questionou:
- E agora? O que você observou?
O discípulo refletiu mais uma vez e disse:
- A cesta continua não sustentando toda a água que coloquei nela. A água está ficando pelo caminho. A cesta de palha não tem capacidade para segurar água.
O guru foi mais incisivo e exigente com o discípulo:
-Você não está prestando bastante atenção com o que está acontecendo. Volte ao rio pela última vez e traga-me esta cesta cheia de água.
Pela última vez, o discípulo foi ao rio e cumpriu o pedido do guru. Retornado ao guru, este o instruiu:
- Sente-se e olhe para a cesta. Reflita e medite sobre esta sua prática com calma. Depois, diga-me o que concluiu.
Após alguns minutos em silêncio, o discípulo expandiu a sua observação:
- Percebi, mestre, que é impossível permanecer com a cesta cheia de água e que ela estava suja na primeira viagem, agora já está limpa.
Enfim, o guru podia resumir o que pretendia ensinar com aquela prática diante a pergunta inicial do seu querido discípulo.
- Esta cesta suja simboliza a consciência do homem com todas as suas impurezas. A água simboliza os ensinamentos. Assim como a água vai passando pela cesta e vai limpando-a, os ensinamentos também vão purificando o homem. Porém, a água não fica retida na cesta e vai ficando pelo caminho. Da mesma forma, os ensinamentos não devem ficar retidos na consciência humana, mas apenas servirem para uma purificação temporária. Ao final, toda a água ficará para trás e a cesta estará limpa, assim como todos os ensinamentos ficarão para trás e a consciência humana estará purificada. Não deseje reter todos os ensinamentos, perceba quais são os mais necessários para o seu momento atual, ou seja, a sua ida ao rio. O rio simboliza a fonte de conhecimentos que precisa ser visitada, enquanto houver impurezas. Quando perceber que alguns ensinamentos já cumpriram o seu papel de purificação, deixe-os pelo caminho. Desta forma, você nunca se encontrará sobrecarregado.



LINGUAGEM ADEQUADA

Havia uma monja zen budista que procurava chegar à perfeição. Habitava um mosteiro e seguia o seu guru de forma abnegada. Um de seus maiores desafios era superar um relacionamento casual que mantinha com um vendedor de frutas, sempre que se dirigia ao mercado para compras. Queixou-se algumas vezes ao seu guru:
- Mestre, aquele vendedor de frutas do mercado muito me incomoda. Todas as vezes que vou às compras, ele caçoa de mim, diz alguma piada ou me assedia de forma indecorosa. Já estou perdendo minha paciência com ele.
O guru observou que ali estava se estabelecendo um belo campo de provas para aquela monja. Resolveu aconselhá-la:
- Fique atenta e não perca o seu centro de equilíbrio. Escute o seu coração.
Dois dias se passaram e a monja teve que ir ao mercado para fazer compras. Chegando lá, o vendedor de frutas começou a importuná-la como de costume. Desta vez, depois de escutar poucas e boas, a monja não se conteve. Pegou o guarda-chuva que trazia consigo e desferiu várias pancadas nas costas do vendedor. De imediato, retirou-se do mercado e foi se confessar ao seu guru. Dirigindo-se ao guru, ainda um pouco alterada em seu temperamento, falou-lhe:
- Mestre, hoje eu não consegui me controlar. Aquele vendedor conseguiu me desequilibrar e me fazer tomar uma atitude contra os meus próprios princípios. Eu o agredi com o meu guarda-chuva várias vezes. As suas costas devem estar marcadas com as pancadas que dei.
- O quê aconteceu? Perguntou o guru.
- Ele voltou a me incomodar e a ser indecoroso comigo. Comecei a ficar indignada e surgiu uma raiva dentro do meu coração que não pude controlar. Quando percebi, a raiva já havia tomado conta de mim e só podia fazer aquilo que fiz. Agredi-lhe com o meu guarda-chuva. O quê tem a me dizer, peço encarecidamente uma orientação sua.   
O guru sorriu diante a atitude da monja e tentou confortá-la com a sua sabedoria.
- Não deixe que nada externo tire o seu equilíbrio. Procure estar sempre com os seus princípios mais elevados. Escute-os. Não se permita que alguém possa gerar raiva dentro de você. Quando aquele vendedor lhe incomodar novamente, olhe-o com serenidade, com a sua paz interna. Tente reunir dentro de você os conhecimentos mais elevados sobre as relações humanas. Procure a sua compaixão e, quando a encontrar, fique equilibrada. Após tudo isto, você pega o seu guarda-chuva e faz o que for preciso. Talvez, umas novas pancadas em suas costas resolvam a questão para ele. Mas só faça isto quando estiver em seu equilíbrio, ciente da necessidade do seu ato. É que cada ser tende a compreender uma linguagem diferente de comunicação.



A MEDITAÇÃO

       Certa vez, um discípulo perguntou ao seu mestre:
       - Mestre, será que posso meditar enquanto estou dirigindo o meu carro? 
       - Não, respondeu prontamente aquele sábio.
       O discípulo havia aprendido que a verdadeira meditação flui em qualquer situação da vida, independente da situação externa, portanto não estava compreendendo o sentido daquela resposta. Resolveu refletir um pouco sobre a pergunta e a resposta que obteve. Daí, reordenou o seu pensamento e perguntou novamente:
       - Mestre, e será que posso dirigir o meu carro enquanto estou meditando?
       O mestre, então, sorriu simpaticamente e percebeu que aquele discípulo havia dado um passo à frente.
       - Claro que pode, respondeu desta vez o mestre.



CERTEZA UNIVERSAL

Um fazendeiro muito rico estava prestes a completar noventa anos. Vendo que já se encontrava perto de sua partida para outros mundos, resolveu antecipar a divisão da sua herança. Achava que ficaria mais justo dividi-la com os seus três filhos, ainda em vida, pois poderia consultar sobre a opinião de cada um a respeito. Mas eis que cada filho queria receber uma parte maior na herança.
  O fazendeiro ficou desgostoso ao perceber as divergentes opiniões de seus filhos sobre as suas posses. Pensou bastante, refletiu e resolveu ficar neutro diante do que havia consultado e escutado de seus filhos. Teve uma idéia e a propôs para os seus três filhos.
Havia um sábio reconhecido na região onde moravam, que era sempre consultado em questões delicadas. As pessoas procuravam sempre a orientação daquele sábio para resoluções de situações de justiça. Todos o respeitavam muito e acolhiam a sua sabedoria. O rico e velho fazendeiro, então, sugeriu aos filhos que resolvessem a questão da divergência sobre a herança sob a orientação do sábio. De imediato, os três filhos aceitaram a proposta por confiarem em toda a sabedoria daquele homem que já havia ajudado a eles em outras ocasiões. Marcou-se o encontro e sentaram-se à mesa os cinco.
Explicada a situação ao sábio, ele pediu para que cada filho expusesse a sua opinião e a justificativa sobre a divisão da herança. Logo, o primeiro filho se justificou:
- Eu devo ficar com metade da herança. Sou eu quem cuida dos animais da fazenda, dos porcos, das ovelhas, dos bois, dos cavalos e das aves. O maior lucro da fazenda vem dos animais e por eu ser o responsável por este setor, devo ficar com a maior parte da herança.
O sábio ouviu tudo e recebeu a indagação do velho fazendeiro:
- O que você acha, grande sábio?
O sábio respirou com calma, silenciou um pouco e decretou:
- É, ele está certo.
De imediato, um outro irmão que ainda não havia se exposto reivindicou:
- Espera, lá! Sou eu quem cuida do setor agrícola da fazenda. Os animais só sobrevivem porque se alimentam dos cereais que plantamos. Sou eu quem organiza a maior mão de obra nos plantios da fazenda. Sou eu quem fornece milho, arroz, feijão, soja, trigo, cana-de-açúcar e vários tipos de verduras e legumes que alimentam os animais e os homens que vivem nesta fazenda. Sem estes alimentos não teríamos nem um animal sequer. Acho justo que eu fique com a maior parte da herança.
Novamente, o velho fazendeiro virou-se para o sábio e pediu-lhe a sua opinião:
- E agora? O que você considera?
O sábio refletiu um pouco, olhou para todos e afirmou:
- É, ele está certo.
O terceiro filho retrucou com o seu posicionamento incisivo:
- Todos têm que me ouvir. Sou eu quem cuida do setor administrativo e financeiro da fazenda. Sou eu quem projeta lucros, libera custos, paga funcionários em dia, fecha negócios com fornecedores e clientes, faz marketing e aplica em fundos de créditos bancários. Todo o lucro desta fazenda se deve à correta administração financeira que eu faço dos nossos bens. Meus dois irmãos não entendem nada de finanças. Desta forma, acho justo que eu receba a maior parte desta herança. 
Mais uma vez, o velho pai fazendeiro olhou para o sábio ansiando por um veredicto seu, uma solução. O sábio ficou atento a tudo o que escutara e novamente deu a sua opinião:
- É, ele está certo.
Desta vez, foi o velho fazendeiro que resolveu se expor para o sábio e indagar sobre as suas questões:
- Deixe-me ver se estou compreendendo, meu amigo sábio. Trouxemos você até aqui para nos ajudar a resolver esta situação delicada. Estamos diante de um impasse, onde todos os meus três filhos afirmam terem direito a uma maior parte na minha herança. Diante do que eles expuseram, você me afirma que todos estão certos. Isto quer dizer que ninguém está errado. Como posso resolver esta questão com a sua sabedoria de que todos estão certos?! Pelo que vejo e compreendo da sua sabedoria, todos estão sempre certos. Mas desta forma, parece que teremos sempre problemas. O que você me diz, grande sábio?
O sábio fez um minuto de silêncio, olhou profundamente nos olhos do velho fazendeiro e concluiu:
- É, você está certo.



 PONTO  DE  VISTA

Certa vez, um sábio iluminado estava peregrinando pela Índia, quando resolveu parar e descansar em um bosque. Escolheu um lugar calmo e ficou horas ali contemplando a bela natureza do lugar. Entrou em meditação e permaneceu imóvel durante mais algumas horas. Ao retornar da meditação, observou um senhor dirigindo-se a ele. Um senhor aproximou-se e foi falando em tom de indignação para aquele sábio, o qual ele nunca vira antes:
- O que você está fazendo, aí? Parado, sentado e sem fazer coisa alguma. Acredito que você não tenha nem trabalho assalariado. Deve ser um vagabundo. O mundo está virado e perdido por causa de vocês, vagabundos que não produzem nada para a sociedade.
O sábio manteve a sua calma de sempre e não respondeu àquele senhor. Tratava-se de um rico comerciante da região, um dos mais prósperos vendedores de tecidos. Para ele, só o trabalho realizava o ser humano e lhe causava indignação ver alguém ocioso sem realizar alguma atividade produtiva para o seu julgamento.
O comerciante aumentou a sua indignação ao presenciar o silêncio e a indiferença do sábio. Resolveu investir mais uma vez para ter uma resposta justificável.
- Como é, você não acha que esta sua postura diante da vida é cômoda e atrasada para a evolução dos dias de hoje? Responda-me!
O sábio, então, resolveu indagar o comerciante.
- Todos nós devemos saber qual o verdadeiro propósito de nossas ações. Para e por que estamos fazendo, e aonde queremos e vamos chegar. Pergunto, ao senhor, para que trabalha tanto ?
- Ora, meu amigo, trabalho para ganhar dinheiro. Trabalho para manter as pessoas abastecidas com bons tecidos. Trabalho para poder sustentar a minha família com alimentação e educação. Trabalho para poder ter um bom carro e uma boa casa. O que mais eu poderia querer?
- Você já tem tudo isto, mas ainda tem algo pelo qual você continua trabalhando para alcançar. O que é?
O comerciante percebeu que realmente já havia conquistado tudo o que planejara. Refletiu um pouco e respondeu.
- Trabalho também, para manter o que conquistei e um dia me aposentar e poder viver em paz, em tranquilidade e sem aborrecimentos.
Ao escutar o comerciante, o sábio expôs a sua verdade.
- Você está fazendo todo este esforço e trajeto em sua vida para chegar onde eu já estou. Eu já me encontro em paz e em tranquilidade. Nada fora de mim me provoca desejos. Lido com todos os elementos da vida indiferentemente. Posso ter carro ou não, ter uma boa casa ou não, ter família ou não... A sua indignação é consequência da sua não autorrealização. Somente quando todos os seus desejos forem realizados e se cessarem, você poderá se aproximar da verdadeira paz. Digo mais, a sua forma de trabalhar está fortalecendo a ansiedade e os desejos dos outros. É preciso tomar cuidado, consciência e responsabilidade com isto. Meu trabalho pessoal é silencioso e sutil, penetra lugares nos quais você é incapaz de observar. Portanto, meu gentil comerciante, sei que a sua paz ainda lhe aguarda e, quem sabe algum dia, sentaremos juntos para contemplar a vida.



O  TEMPO  DO  ESPÍRITO

Um grupo de três exploradores ingleses resolveu fazer uma expedição pelas selvas africanas. Viajaram a uma pequena cidade do interior do Congo e prepararam as estratégias para a aventura. Resolveram contratar um grupo de oito pigmeus nativos como carregadores de suas bagagens e ajudantes em suas investidas. Contrataram também um tradutor de línguas para fazer a intercomunicação entre eles.
Partiram, então, num dia de lua cheia para poderem aproveitar mais em suas observações pelas selvas. Seriam dois dias seguidos de caminhada contínua até se chegar ao primeiro local de acampamento mais seguro. No primeiro dia, a caravana seguiu normalmente, sem nenhum imprevisto.
No segundo dia de caminhada, os três ingleses resolveram acelerar o passo, pois perceberam que se mantivessem aquele ritmo poderiam chegar ao local pré-determinado depois do pôr do sol, o que dificultaria a montagem do acampamento. Desta forma, os ingleses aceleraram o passo e os pigmeus acompanharam o ritmo. Após a primeira hora de caminhada forte, os ingleses resolveram acelerar mais ainda o ritmo. Novamente, os pigmeus sustentaram o ritmo e permaneceram acompanhando a caravana. Acontece que, na terceira hora de caminhada forte, os pigmeus começaram a diminuir o ritmo. Aos poucos, foram reduzindo a velocidade de seus passos até pararem.
Os ingleses deram conta que os pigmeus haviam parado e estavam todos sentados, uns ao lado dos outros, tranquilamente descansando. O chefe da expedição, imediatamente, se dirigiu ao tradutor e pediu que orientasse o grupo de pigmeus a continuarem a caminhada. O tradutor, então, conversou com o líder dos pigmeus e trouxe a resposta para o chefe da expedição.
- O líder deles disse que não seguiria mais em frente, por enquanto. Que vocês aguardassem o momento certo para prosseguir.
Os ingleses ficaram indignados com aquela resposta, afinal eles estavam pagando um preço bastante alto para a prestação daquele serviço. Queriam chegar rápido ao local do acampamento e não queriam ficar ali esperando. Novamente, pediram ao tradutor para intervir e procurar saber qual o motivo principal deles todos terem parado a caminhada. O tradutor se dirigiu ao líder pigmeu e veio com a resposta.
- O líder pigmeu afirmou que os corpos físicos deles andaram rápidos demais. Desta forma, os seus espíritos acabaram ficando para trás. Agora, eles têm que parar e aguardar por seus espíritos. Só assim eles estarão inteiros e prontos para prosseguirem com a caravana.
Será que os corpos físicos da atual humanidade não estão em movimentos por demais acelerados? Será que já não é tempo para uma pausa, um descanso e um reencontro em reconexão? Será que os nossos espíritos não ficaram para trás, no caminho? E quem é o nosso líder que pode perceber isto?



APOIO OCULTO

Certa vez, numa floresta tropical, uma onça pintada circulava pela mata atrás de uma presa para o seu almoço. Buscava uma caça que pudesse saciar a sua fome, que sinalizava de forma aguda. Eis que avistou um coelhinho, uma fácil e pequena vítima para a ágil onça.
O coelhinho encontrava-se, em frente à sua toca, que ficava na entrada de uma caverna escura. Sozinho e concentrado, cercado de livros, de óculos, com um caderno e uma caneta em punho, descrevia uma teoria. A onça logo reconheceu a oportunidade que ali se apresentava, para fazer pelo menos um pequeno lanche. Percebendo a concentração em que se encontrava o coelhinho na sua atividade, a onça resolveu abordar o seu futuro almoço de uma forma suave para não liberar adrenalina naquela carne macia, que depois seria digerida mais facilmente. Desta forma, aproximou-se do coelhinho:
- Bom dia, senhor coelho – apresentou-se a onça, com disfarçada diplomacia.
- Bom dia, dona onça. Respondeu o coelhinho demonstrando total indiferença diante o perigo que poderia representar aquele felino predador para a sua vida.
A onça percebeu a tranquilidade do coelhinho e resolveu, curiosamente, estender um pouco mais aquele diálogo, antes de dar o bote fatal naquela potencial vítima.
- O que está fazendo com tantos livros e tão concentradamente, coelhinho?
- Estou terminando de elaborar a minha tese sobre a sabedoria no reino animal. Respondeu o coelhinho, com ar de imponente intelectualidade.
- Sobre sabedoria?! E qual a conclusão da sua tese?
Na onça pintada, despertou uma curiosidade investigativa, e queria ela saber o quanto aquele desprotegido coelhinho poderia ser sábio e quais os tipos de sabedoria poderiam ser de valia para a sobrevivência e existência de um animal, numa floresta tão violenta como aquela, onde os animais se matavam e se comiam uns aos outros. 
O coelhinho vendo o interesse daquela onça, continuou a sua exposição.
- Após muitas observações e pesquisas, conclui que os coelhinhos são os animais mais sábios e inteligentes, dentre os animais que habitam esta floresta.
- Mais inteligentes e sábios?! Exclamou a onça já suspeitando daquela tese. Mostre-me a sua tese e me prove, então, que vocês coelhos são tão sábios e inteligentes!
- Claro que sim. Entre comigo em minha toca, e explanarei com detalhes e convicção sobre a minha tese. Verá com os seus próprios olhos o que pesquisei e conclui.
De prontidão, a onça aceitou o convite. Dentro daquela caverna, seria mais fácil capturar o coelhinho, caso ele tentasse fugir, diminuindo assim o seu esforço. O coelhinho parecia estar com o tempo contado. Entraram na caverna e, logo em seguida, ouviu-se bastante barulho. De longe, escutavam-se os gritos de perseguição, desespero e agonia, vindo de dentro daquela toca. Algo acontecia... De repente, um silêncio se estabelece e o coelhinho sai da sua caverna, trazendo o seu livro, tranquilamente, retornando ao seu posto de estudos. 
Pouco tempo depois, eis que sai da caverna um grande leão lambendo os lábios, fartado com o almoço que acabara de desfrutar. A onça já não existia mais. Ao passar ao lado do coelhinho, o leão se despede cordialmente daquele encontro:
- Até breve, senhor coelho. Grato pelo almoço e tenha um bom dia.
- Por nada, amigo leão, e até breve.

MORAL: “Não importa o quão seja absurda a tese que você defenda. O importante é o quê ou quem te dá apoio oculto. O coelhinho simboliza qualquer ser que possa crer na proteção oculta. O leão simboliza a força oculta que consome a ignorância. A onça simboliza o ego humano, predador ignorante que necessita de uma morte simbólica. A toca simboliza a casa dos conhecimentos e da sabedoria, na consciência do ser.”  

   

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